sábado, 28 de janeiro de 2012

CANTINHO DA MÚSICA


Por sugestão dos amigos mais próximos, estou levando a público um conto intitulado "O Sonho de Farkian", de minha autoria e que faz parte de uma série de 20 contos que escrevi durante ano de 1997 e que integra a coletânea que intitulei "Lendas do Amor". 
Espero que seja do agrado de vocês.


                 O SONHO DE FARKIAN

Farkian tinha nascido em prosperidade, pois era filho único e muito amado de rico mercador. Desde cedo freqüentou as melhores escolas e desenvolveu o sonho de tornar-se o homem mais sábio de seu tempo.

Como tinha fortunas, ainda jovem partiu pelo mundo à procura de conhecimentos e em suas andanças conheceu e conviveu com os maiores sábios, deles sempre tirando o que havia de melhor de seus estudos, sendo discípulo dedicado e atento.

Com os anos tornou-se extremamente versado nas ciências matemáticas, físicas, naturais e normativas além de mago da lógica, filosofia, geometria, medicina, religião e ocultismo.

Farkian andou por toda Ásia e África. Conhecia a planície da Sibéria, o planalto do Tibet, os segredos da Tailândia, os mistérios do Afeganistão, entendia o maktub dos árabes bem como o respeito dos egípcios. Casablanca lhe era familiar assim como a Cidade do Cabo e por onde passava deixava a marca de seus enormes conhecimentos, pelo que foi sempre honrado por sheiks, reis e imperadores.

Assim passaram-se os anos e Farkian tinha realizado seu sonho. Já velho e sentindo as forças enfraquecidas, não tendo mais nada para aprender, ao contrário, muito tendo para ensinar e por viver cercado de bons discípulos, passou a procurar dentre eles um que merecesse receber cuidado especial e pudesse acolher em sua plenitude a grande sabedoria do mestre.

Alguns novos anos correram e Farkian não conseguia encontrar aquele pupilo especial e já temia que a morte o levasse sem que tivesse um sucessor, idéia que não lhe agradava.

Inesperadamente, sem aviso, Balcoor, um jovem simples, filho de pescador, passou a chamar a atenção do Sábio. Era aluno dedicado, bondoso e de rara inteligência. Farkian viu naquele rapaz a continuidade de sua obra e passou a nutrir cuidados especiais com sua educação e o jovem, em pouco tempo, mostrou-se merecedor da atenção.

Porém, de forma também inesperada, o jovem perdeu o entusiasmo pelos estudos. Continuava excelente aluno, mas não demonstrava a mesma dedicação e vez por outra até não comparecia ao seu horário de aulas.

Farkian, preocupadíssimo, procurou o aprendiz e o encontrou sentado à margem do rio com os olhos fixos na água. Perguntou-lhe o Mestre o motivo de suas faltas e daquele patente desânimo. Respondeu-lhe Balcoor: “-Mestre, em minha cabeça só existe a imagem de Malasan, filha do vendedor de azeite, e com tudo que já sei não consigo encontrar um modo de dizer-lhe o que acontece comigo e o que ela representa para mim.”

Farkian irritou-se sem medidas e com voz agastada repreendeu severamente seu aluno. Não lhe era concebível que Balcoor pudesse perder horas preciosas de ensinamentos por causa de uma simples rapariga e culminou a conversa com a ordem de que Malasan fosse esquecida, naquele momento, e que jamais tal fato retirasse a atenção de Balcoor dos estudos.

O jovem aluno parou por um instante, olhou fundo nos olhos do Sábio e disse: “-Mestre, tendes toda a sabedoria do mundo e ao mesmo tempo não tens nada. Se o amor nunca habitou vosso coração, as andanças foram inúteis. Se com toda a vossa sabedoria não sabeis o que pode representar o olhar de uma jovem, procura outro aluno, pois vos falta a sabedoria do coração e nada mais tenho a aprender com vossas lições.”

E o Sábio percebeu, com total horror, que seu sonho, em verdade, nunca tinha se realizado.


("O Sonho de Farkian" - Edmundo Machado - da série "Lendas do Amor" - 1997)



edmundomachado1000@gmail.com



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